Legitimidade do Estado e as implicações sobre sua existência.

O Cristo, quando esteve encarnado na terra, questionou a forma de distribuir justiça dos humanos, por diversas vezes. Ao encontrar-se com Pilatos, no momento derradeiro de seu mal fadado julgamento, ao ser inquirido pelo julgador sob sua identidade divina, sentiu a malícia, e respondeu apenas: Tu o dizes. Sabia que o Estado que lhe inquiria, já tinha todas as respostas a seu modo e nenhuma legitimidade para o julgar.

Publicado por Valmir Moraes
Atualizado em 17/03/2021 - 17:43

Estamos no ano de 2021. Vivemos, quem sabe, um dos piores momentos da humanidade, em um dos seus  muitos ciclos de destruição, por vezes causados unicamente pala irresponsabilidade da raça humana com ela própria.

Uma doença letal, e facilmente alastrável tomou conta do mundo, matando milhares de pessoas em todos os continentes do planeta. A capacidade dos governos em cumprir o prometido ao povo e manter a paz social, tem sido diariamente colocado a prova.

O Estado, como sistema gestor de uma nação, se apresenta das mais diversas formas pelo globo terrestre. É sabido que algumas formas de comando são antigas e tradicionais, outras nem tanto e outras se apresentam como novíssimas a seus cidadão, não raro essas últimas formatadas no calor das revoluções.

E você aí que é apenas um zé ninguém, e do povo, tem se perguntado, do porquê haver um Estado para chamar de seu (No fundo você é que é a  propriedade dele).

Pois bem, a legitimidade apresentada ao povo por quem se se propõe governar, é sempre recheada com o mesmo discurso: Paz e estabilidade. Muitos de nós vemos na promessa, a concretização de um sonho pessoal, pois alguns desses lideres mundiais são a personificação de nossa própria história e vivências. Isso ocorre em sociedades essencialmente revolucionárias, e que não raro vivem no calor das lutas sociais. Outras, mas estáveis, e que já construíram certa tradição histórica,  fazem um caminho inverso, onde o o povo atribui ao Estado, a majestade que pensa ter alcançado.

Sim estamos falando de formas distintas de governo, mas não de presidencialismo e monarquia, até porque em alguns países, como nos EUA a tradição politica é presidencialista e representativa, e em outros como a Holanda e Espanha, vigoram uma forte tradição politica monárquica parlamentarista.

Uma análise mais profunda vai muito além de saber se para ao Brasil,  nossos problemas sociais e econômicos estão fundados na forma de governo presidencialista atual e na deposição da família real brasileira em 1889.

O grande questionamento a se fazer é quanto a legitimidade do Estado na nossa vida diária atual. Qualquer debata com fins práticos a fim de entender o momento atual, passa longe do saudosismo do levante militar que instaurou a famigerada republica brasileira naquele longínquo 15 de novembro.

Nossa realidade é que o Estado é teoricamente, republicano, e tem na vitrine, aos nosso olhos de povo, gestores diversos, o qual sabemos quem são, mas quanto ao futuro a Deus pertence. É uma roleta russa sem fim, onde nos é oportunizado escolher a cada pleito eleitoral, o melhor o do pior. O povo, vive da promessa, da esperança, da utopia de uma Estado que se mostra um nas eleições, mas que  é outro  depois do pleito.

Para descobrir se é legitima em sua existência o  existir do próprio Estado, torna-se necessário a todo cidadão se perguntar, qual é a real necessidade do Estado em sua vida. Qual a diferença do discurso e práticas estatais em sua própria vida e proposta de felicidade.

Como aludido de inicio, a existência de um Estado e de um governo, pressupõe sua legitimidade em ser Estado. Qual o pilar de ação que sustenta que órgãos estatais controlem sua vida? No caso brasileiro,  a cada eleição, somos lembrados pelos candidatos a empunhar a caneta que nos oprime, que se eleitos,  estarão garantidos a saúde, educação, segurança e infraestrutura pública para a nação.

A resposta é essa mesma.   A legitimidade do governo está centrada na manutenção desses itens básicos, que podem ser subdivididos em dezenas de outros, os quais permitiriam manter a cadeia de legitimidade unida pelo sistema de saúde, educação de qualidade, segurança e infraestrutura pública.

A correlação do bom funcionamento desses itens, e entre si, permite que uma nação conviva em relativa paz social, e quando vivemos em uma sociedade fundada como a brasileira, depende unicamente de boas e honestas politicas públicas para que mágica aconteça.

O resultado da paz social, na vida prática é você saber que poderá usufruir de boa opções de infraestrutura, lazer, ter a garantia de que será atendido em hospital ou pronto socorro e que haverá tecnologia e ciência para lhe garantir viver com menos dor mais longevidade, a fim de aproveitar ao menos três refeições diárias, um bom teto com uma boa cama onde dormir, sem o risco de que outro cidadão venha lhe roubar ou tirar sua tranquilidade de conforto. Isso, quando ofertado a todos os membros da sociedade se constituí na tão arguida paz social.

Pense que se um Estado não consegue suprir a saúde de qualidade aos seus concidadão, como no Brasil, onde milhares de doentes, quando medicados, o são  nos corredores dos hospitais,  e em muitos casos, mediante determinação expressa do judiciário, é de se supor que a educação básica também esteja na mesma situação de catástrofe.

No mesmo pensamento, seria ironia pensar que segurança, justiça e reeducação fosse ofertado minimamente pelos órgãos estatais.  Quem sabe você não tenha sido vitima de um furto no ultimo ano, mas seus filhos e vizinhos vão todos os dias para a escola, então é mais latente que você veja a incapacidade do Estado em prover a educação que   ele prometera.

Se no mesmo exemplo, você tivesse que se utilizar diariamente dos serviços de segurança, ou da justiça, observaria que a mesma incapacidade estatal na educação, permeia essas outras áreas públicas. São inúmeros os caso policiais que chegam todos os dias as delegacias e não são resolvidos, por falta de material de trabalho, de efetivo, de capacitação técnica, etc.

Ao certo já deve ter ouvido, que o problema da segurança pública, é que a policia prende e que o advogado solta. Pois está  muito enganado em seu raso raciocínio se realmente acredita nisso. Essa é mais uma das muitas mentiras que o governo contou para desviar o foco, de que ele não investe no setor de segurança a contento.

A realidade é que na maioria das vezes o  Estado investiga mal, desrespeita preceitos constitucionais básicos, agindo  de forma prostituída  dentro de si próprio, aproveitando-se de  que os órgãos de controle, investigação, acusação e julgamento estão em seu seio governamental. Só que esse proceder, com o tempo, contribuiu para desestabilizar a legitimidade do próprio Estado, pois seu agir acaba sendo por vezes reformado em instâncias superiores de julgamento, os quais estão alheios as causas e paixões regionais.

E o problema não reside no servidor, aquele que bate cartão no prédio público, achando que é dele. Ele é outra vitima do sistema, e não raro, o primeiro a pagar com uma denúncia de improbidade administrativa ou coisa assim. O defeito está na estrutura de poder que rege todo o sistema público, de cima para baixo, desde Brasília, sonho de todo abusador público, até as instancias mais baixas das repartições, com a culpa, devida venia, dos mandachuvas da União e dos Estados Federados, os quais a muito perderam todos os seus escrúpulos e vergonha na cara.

Não importa qual individuo estará no poder amanhã, assim como pouco importou quem estava ontem. Na sua empresa, o primeiro sócio foi o governo,  aquele que saiu sem nenhum prejuízo quando você fechou as portas. A ele apenas cabia arrecadar quase todo o lucro, sem nunca aparecer para trabalhar.

E quando você precisa de algo urgente para seu negócio, um alvará de funcionamento, uma liberação de obra, e recorre a qualquer setor público que seja, o seu sócio Estado, o atendeu quanto e como quis, se é que o ouviu mesmo em sua demanda. Não existe negociação fácil, pois ao fim, quem sempre  perde é o cidadão. um decisão em seu favor, de tão rara, é visto com um prêmio ofertado pelo Estado, como muitas ouvimos: Sicrano ganhou um dinheiro do governo, fulano ganhou um ação o governo nos beneficiou com tal decisão ou lei, etc. Lembrando que o poder emana do povo e o dinheiro “do governo” são os tributos pagos pelos administrados. O governo, mesmo, não produza nada de valor.

Os valores ostentados  pelo estado, são materializados apenas na forma de promessas a cada eleição politica, e desse forma não o legitimam sobre a nação, posto que são inverdades contadas sobre coisa muito séria. Em suma, os governos, brincam com sua realidade: A  sobrevivência.  No passo em que está, o Estado, tal como conhecemos, jamais entregará saúde, educação e segurança a população, quiçá, infraestrutura básica. O Estado com se apresenta é uma ficção jurídica inalcançável.

Basta compreender que uma ação governamental defeituosa sobre saúde ou omissão, expõe o fato de  que nas outras áreas, qualquer que sejam, ele também é inepto, pois estão ligadas entre si, em se tratando de gestão pública. A educação nesse interim, estará comprometida com a mediocridade, a segurança com a injustiça e a Justiça com a morosidade burocrática perversa.

Todo o sistema estará comprometido, as leis perderão o sentido por interpretações estapafúrdias e parciais, as decisões do Estado, começarão a se corromper pela indolência dos servidores, alguns por dolo macabro pessoal, outros por desacreditar nos fundamentos da nação. Não raro, muitos se dedicam ao serviço público pela tão sonhada estabilidade, o que se mostra com o tempo uma mentira, pois a estabilidade tem mesmo quem  tem liberdade e paz na vida, o que não é o caso da grande maioria do que se lança aos braços do Estado.

E quando o Estado Leviatã se lança contra um dos seus servidores, o que não é incomum, a pena desse é majorada em relação ao cidadão sem vínculo empregatício com o sistema. Por diversas vezes essa realidade pode ser constatada, sendo mais latente nos últimos tempos o caso do Juiz de Curitiba, depois Ministro, que viu seu nome achincalhado pelos seus próprios seguidores, instigados pelo seu chefe, devido ao um desentendimento profissional, quem sabe um dos maiores barracos de repartição pública dos últimos tempos, se é que é possível classificar assim.

O caso,  sem nenhuma paixão politica, é que eu pude ver com meus olhos essa crua realidade por diversas vezes no curso da vida. E você também, nos mais diversos escândalos da politica nacional. O Estado tem perdido sua legitimidade moral com a nação a muito tempo, pela incompetência e mentiras reiteradas, restando apenas a ligação de respeito legal  com seus administrados, os quais ainda o obedecem por determinação positivada nas leis e determinações judiciais, em suma por medo, não respeito.

Nesse sentido o número de polêmicas e leis só aumenta. Tudo, absolutamente tudo precisa ser regulamentado, aos olhos do Estado. Como diz aquela musica famosa, ” ninguém respeita a constituição” e o Brasil segue  como um dos países com maior número de processos judiciais do mundo. A população carcerária bate recordes todos os anos, sendo uma das maiores do planeta, com baixíssimo índice de recuperação.

A legitimidade natural para o Estado ser  Estado, tem desparecido mais e mais, e  o sentimento de revolta tem criado ondas de violência, sentimentos de segregação popular, vistos na história com frequência antes de grandes levantes populares e revoluções. O próprio governo,  tem respondido com violência verbal aos clamores populares e desdém a realidade do povo, enquanto esse último , incendeia-se entre si pelo clamor ideológico, no afã de achar algum  culpado pelas desventuras em série de que é vitima.

Os poderes que constituem o Estado, se degladiam em entre si cientes de que estão sendo colocados na rinha das lutas que eles próprios criaram. São diversos os desentendimentos infantis entre o poder legislativo, executivo e judiciário ,  em todas as instâncias do poder.

A motivação de ser do Estado  e dos governos, se desgastaram de tal forma, que na últimas eleições presidenciais  brasileiras, a soma porcentual de votos, abstenções, nulos e brancos, passou  de 30% de todos os votantes do Brasil. Pode-se dizer que ao todo, 42 milhões de pessoas não escolherem nenhum candidato, o que fez enorme diferença no resultado final das eleições brasileiras, considerando que o candidato eleito Jair Bolsonaro recebeu 57,7 milhões de votos, enquanto que o candidato derrotado Fernando Haddad teve 47 milhões de votos.

Essa resposta nas urnas, entre outros argumentos, é um alerta sobre o desapontamento da nação com um Estado mesquinho, incapaz e mentiroso, que não se sustenta mais por sua atuação séria, não cumpre promessas e não gerencia os recursos e assuntos que lhe são pertinentes. Pela mediocridade e completa incapacidade dos homens de poder público, representantes físicos do Estado, este vem  perdendo legitimidade a cada ano, e jogando a nação para o risco de uma nova revolução, onde os primeiros a morrer e sofrer, serão os mais pobres e desassistidos pelo Estado, que de fato, nem sabe que eles existem.

Mas não se enganem os poucos mais ricos que fazem parte da massa brasileira:  A situação pandêmica de 2020 e 2021 tem demostrado que o Estado também não lhes dá a mínima, quando muito os adulam um pouco mais, pela capacidade de mais contribuir com tributos a insaciável sede de dinheiro dos cofres públicos. Não é um caso de amor com o individuo, é uma atração por suas posses, e assim que sua declaração de imposto de renda baixar um pouco mais, o pau que bate em Chico, também baterá em Francisco, sem nenhum remorso ou pena. O Estado não tem SANGUE nas veias e sofre de psicopatia crônica.

Talvez você pergunte: Mas então, porque preciso de Estado? Qual a função real do Estado neste panorama todo? Repostas no próximo post.

 

Valmir Moraes , é advogado e conciliador.

 

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